quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ele
de quem
todos
falam
passa
ligeiro
e
se
aguenta
firme
feito
rocha
(não sei)
olhando
pra
cima
e cuspindo
sangue
até
a beirada
da minha
cama

é né

sinto um arrependimento profundo
de não ter dado as costas aos meus boleros

sábado, 11 de dezembro de 2010

um sorriso mal dado aberto errado como quem não abre a boca querendo sorrir e sorri com a memória de toda uma vida vivida de banda todos esses anos colocando o ombro na frente antes de entrar com corpo todo numa sala levando muito tempo para deixar o resto entrar

a boca involuntária com todas as ruguinhas de canto abre fecha delicadamente e vocifera com calma gotinhas de cuspe cheiro forte de comida e resto

sopradas suaves (nem tão leves assim) no pescoço de quem teima em ficar na frente

e a boca sorriso não fecha nunca

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

sobedesce


todo dia na praça da rua debaixo ela aparecia com as duas tias solteironas de guarda olho bem aberto que menina na sua idade levanta os olhos desses velhos sem vergonha cheios de cachaça é o mal desse lugar todos eles ficam assim depois que se aposentam se lembra do osmar acabou com a família toda e eu de longe ensaiando vagar espaço na gangorra do meio pra subir e descer com ela bem devagarzinho sempre fui muito alto meus pés tocam no chão de areia comigo no meio do êxtase do alto ela com as pernas esticadas quase até o eixo do brinquedo só segurando sem muita firmeza a alça enferrujada e as tias gritando sai dessa gangorra que se você se machuca é todo mundo correndo pro posto injeção de tétano é cara menina elas não devem ter a mínima noção do que é falta de injeção quando o ser humano mais precisa de uma bem no meio do cu depois de ver os caras que a gente passa meses juntos revezando lugar pra dormir falando sonhando querendo com toda a urgência do mundo ver logo a menina da praça a mulher com o filho que eu nunca viu só eu falei que você ia se machucar menina ainda bem que não feriu com força vem cá muleque quantos anos você tem vou fazer dezoito dia dezenove é eu vi que você já é bem grandinho sim mas nem barba na merda dacara você tem mas eu tenho cabelo em cima do pau suas velhas escrotas gordas e mal comidas mas não podia falar essa besteira pensei até que a menina tivesse ouvido fez cara de surpresa daquelas ruins que pegam a gente sem jeito como o ataque bem no meio da madrugada alta é tanto barulho que começa de longe e fica alto demais ziiiuuummm paaaaaaaaa eu vejo hoje depois de tantos anos a morte vir fazer carinho em mim na menina e naquelas duas tias inconvenientes que devem estar lutando no inferno pra saber quem vai ficar com a gangorra do meio, devidamente enferrujada


terça-feira, 16 de novembro de 2010

Farnese de Andrade











Continuando a sessão "artistas de minha vida", quase uma sessão nostalgia, posto algumas fotos das minhas obras desse artista mineiro, já falecido, chamado Farnese de Andrade. São relicários e altares feitos, pricipalmente, com bonecas e objetos pessoais do artista. Lembro que foi um grande choque ver esses objetos de perto. Eles têm um quê de sagrado, um quê de profano... são meio eróticos também. Torcendo com força para que eles voltem ao Rio em algum momento.








Klavdij Sluban










Mais uma vez, neste blog, falo do fotógrafo esloveno/francês Klavdij Sluban. Eu sou estranhamente encantado com as fotografias deles, sobretudo pela série dos Bálcãs. As pessoas nas fotos são como que aparições fantasmáticas, tem-se a impressão que elas não foram fotografadas. Os espaços, em certas fotos, também parecem não existir, mas serem apenas uma "pasta" mal feita do lugar. Lugares fotografados antes de suas mortes. Trânsito.









não se pode respirar dentro d'água #5


acordo hoje com uma lufada de vento frio encostando minha casa
não tem ninguém cantando no mar por volta dessa hora
um amontoado lúcido de algumas pessoas andando em círculos na areia perto da água
o homem com roupa de jogging desta vez passando de bicicletaligeira

é muito mar para atravessar e não chegar a lugar nenhum (algumas horas mais tarde)


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

não se pode respirar dentro d'água #4

o CD da cantora favorita tocando no player da sala
fez a moça sentir saudade da casa do pai
que gostava muito de ouvir a tal cantora

a casa inteira ouvia e só faltava dar pulinhos de êxtase

mas aí veio a grande inundação de 86



os rios sabem quando tem coisa boa pra levar até a foz

não se pode respirar dentro d'água #3



duas ou três brincadeirinhas bobas na beira da piscina
sem deixar o corpo tocar a água que teimava, teimosa,
em lembrá-los que seu contato com papel só servia para
desmanchá-lo todinho e que sua presença ininterrupta
ao lado de terrenos cimentados produz um musgo
de cheiro forte, desagradabilíssimo

corpo deita e rola debaixo do sol forte do verão alto
até que o calor seja forte o suficiente para jogá-los
de mala e cuia e amor ligeiro dentro da piscina azul,
imitando a cor que a água teima em fazer, teimosa,
quando se junta com outras águas.

[dos dois saiu mais um poema ondaleva ondatraz]

domingo, 7 de novembro de 2010

não se pode respirar dentro d'água #2



acordei assustado quarta-feira passada
com o vento forte no rosto e uma forte sensação de déjà vu
estava sobrevoando uma floresta de águas claras
depois da soneca da tarde
(eu tiro essa soneca desde que comecei a trabalhar)
a floresta não terminava nunca mas depois percebi
que ela tinha a extensão de umas três horas de voo ligeiro
quando acordei a mata acabava no rio largo
das tais águas mansas que minha avó sempre falava,



não se pode respirar dentro d'água #1


do mar pretoasfalto da noite
veio cheiro de música longe
e sal

mar cinzaaldeia cheio de cores escondidas
e gente andando
solo do mar profundo

mar redondo e revolto:
traz minhas pessoas
que desaguam no teu rio


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Há quem prefira urtigas




Acabo de ler e me emocionar muito com uma novela do escritor japonês Junichiro Tanizaki, falecido em 1965, entitulada "Há quem prefira urtigas" (Companhia das Letras). O livro, de enredo aparentemente simples, me lembrou inúmeras questões que eu fui deixando para trás na minha pouca vida ainda, daquelas que você não entende porque deixou para trás. Felizmente ou infelizmente, esse texto veio a calhar.

Ao esclarecer o enredo, antes de mais nada, é preciso fazer algumas considerações pessoais sobre meu contato com o Japão:

Quando as pessoas falam sobre cultura japonesa, o que primeiro vem à mente são os mangás e animes, os super-heróis bizarros e o karaokê. Apesar de não ser um pesquisador profundo da história e cultura japonesas, sempre que me lembro deste país, são as imagens plácidas dos filmes do Ozu que primeiro surgem na mente. Com algum esforço, aparecem as imagens dos dançarinos de butô, com seus movimentos singelos, orgânicos e cheios de significado. Acompanhando tudo isso, me chegam "Ninguém pode saber", o fantástico filme do Hirokazu Kore-Eda, as cerejeiras, a chuva torrencial de "Shara", de Naomi Kawase, a fúria do Monte Fuji de um dos episódios de "Sonhos", enfim, imagens, conceitos e preconceitos com raízes profundas no cinema produzido lá.
Vale salientar que, somado a todos esses filmes e espetáculos teatrais, vem uma profunda incompreensão do que poderia ser um elo geral que uniria todas essas estórias, uma característica, marca, ideia, que pudesse me colocar em contato mais íntimo com a forma de pensar e viver japonesa.
Não foi diferente ao lidar com "Há quem prefira urtigas". Quando o livro veio parar nas minhas mãos, minha primeira reação foi de repúdio pois eu considerei ser praticamente impossível uma tradução que desse conta de toda a complexidade de significado da língua japonesa, ainda mais numa obra literária. Pensei que todas as nuances características de um romance ficariam apagadas, embotadas e que o contato de qualquer leitor que não tivesse o mínimo de conhecimento do Japão seria extremamente superficial.
Para a minha grande surpresa, isto não se deu. Mesmo não conhecendo absolutamente nada do idioma japonês, percebi que houve um primoroso trabalho de tradução por parte de Leiko Gotoda, ao tentar com sucesso algumas aproximações entre o japonês e o português. Em algumas passagens, porém, fica uma sensação de "acho que não foi bem isso que ele escreveu", como num trecho no qual Tanizaki descreve o penteado de Ohisa, a amante do pai de Misako, e lemos que a moça prendeu o cabelo da forma "que os japoneses fazem". Aliás, eu acabei me esquecendo de falar mais detalhadamente sobre o livro.
"Há quem prefira urtigas" trata da vida de Misako e Kaname, um casal típico do Japão dos anos 30, que há muito tempo não se ama mais. Eles tomam a decisão de se separar de forma pacífica. Mas alguns obstáculos se colocam diante deles: o filho Hiroshi, que já mostra sofrer com o claro distaciamento dos pais; o pai de Misako, um ancião entusiasta do teatro Bunraku; e acima de tudo, a própria covardia do casal. Misako já tem um amante, Aso, e também toda uma vida sexual e afetiva com ele. Kaname encontra-se com Louise, uma prostituta polonesa, e a promete tirar da vida no bordel para começarem uma nova vida juntos. Entretanto, Misako tem medo de que Aso a abandone com o tempo e Kaname receia que Louise pegue seu dinheiro e volte para a Europa. A personagem que aparece para empurrar o casal para uma decisão sensata e corajosa é o tio Takanatsu, japonês que vive na China e tem mais contato com o mundo ocidental, uma espécie de anjo exterminador que modifica a vida de todo mundo.
O romance me lembrou demais as peças de Tchekov, já que Misako e Kaname são duas pessoas paralisadas pela covardia e pela própria inércia de suas vidas. Eles são incapazes de dar um passo a frente e suas decisões são tomadas com extrema racionalidade, medindo todas as consequências possíveis. Parecem as três irmãs que nunca irão a Moscou. E eu toco no assunto do teatro neste ponto, porque a novela inteira é permeada por idas a apresentações do teatro Bunraku, o famoso teatro de bonecos japonês. Nesta modalidade teatral, os bonecos são manipulados por, em média, três pessoas, e contam geralmente fortes histórias de amor em forma poética, o joruri, que são cantadas pelo tayu ao som do shamisen. Era uma arte já em decadência no Japão do começo do século 20, já que o país estava começando um processo de ocidentalização dos costumes. E isto é muito bem retratado no romance. As apresentações contam com a presença de poucas pessoas na platéia e Kaname diz conhecer muito pouco desse tipo de teatro.
Mas o que me chamou mais atenção é que, da mesma forma que os bonecos, que obviamente não têm vida própria, ganham vida nas mãos dos zukai (manipuladores), as personagens também parecem movidas por uma força estranha, exterior a eles, e essa força, essas mãos que os seguram, parecem sair do corpo deles em alguns momentos, fazendo os bonecos humanos perderem a vida e cairem no palco, sem ter mais nada a dizer e cantar.

Mas por que a separação era tão difícil? Afinal, já não eram duas criancinhas indefesas... Por que temiam pôr em prática o que a razão apontava como melhor? Pensando bem, era apenas uma questão de romper os laços com o passado. A tristeza seria momentânea e diminuiria com o tempo, conforme viam acontecer com outras pessoas. "Nós dois não tememos o que nos reserva o futuro, e sim o momento da separação", concluíram com um sorriso.

Não vou ficar falando sobre o efeito que este livro teve sobre mim, mas, dependendo da forma como ele é lido, pode funcionar como um baita soco na cara.

Para quem quiser ter uma ideia de como é o teatro Bunraku, um vídeo que achei no youtube, com algumas explicações inciais sobre a arte:



sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Lo que mas quiero - Festival do Rio 2010


Em O que mais quero (Lo que mas quiero, Delfina Castagnino, Argentina, 2009), uma jovem passa uma temporada na casa de uma amiga com a qual ela só mantinha um relacionamento à distância, no interior da Argentina. Esta última acabou de perder o pai e sofre silenciosamente com a saudade e a solidão. A primeira está passando por dificuldades no relacionamento com o noivo e precisava de um tempo para pôr a cabeça no lugar. Este é o mote simples e sincero do filme, mas o que o tornou uma obraprima particular tem a ver com a sua estrutura e também duas cenas capitais.

Na primeira cena, as duas meninas estão de costas para a câmera, contemplando um grande lago, e conversam sobre trivialidades e também sobre qual seria a duração ideal para um relacionamento. Após Maria, a jovem de fora, dizer que seu namoro tem quatro anos, Pilar, a jovem que perdeu o pai, diz que esse tempo todo é impensável, isso seria uma eternidade para a cabeça dela. Em outro momento, Maria está encostada num carro conversando com um rapaz que conheceu numa festa e, mais uma vez, os dois conversam sobre coisas sem muita importância, ou, na verdade, importantíssimas para aquele momento, já que os dois estão se conhecendo e talvez vão começar um namoro. Vale aqui dizer, que essas duas cenas bem longas e pontuadas por silêncios longos também, ao mesmo tempo que recheadas com aquele feel good tão característico dos filmes do Apichatpong, transportando-nos sem grandes dificuldades para o espaço do filme, mesmo que o espectador não se identifique diretamente com o que está acontecendo na tela.

Porém, as cenas mais importantes do filme são duas cenas que se transformam em um eixo de significado para o filme. Em um momento, Maria liga para seu namorado em Buenos Aires. Ela está andando por uma mata escura e de repente para de caminhar. Não sabemos o que ele está dizendo para ela, mas em muitos momentos ela hesita em responder e, no final, esboça um choro que não acontece. Mais a frente, Pilar está reunida com os trabalhadores da madeireira do seu pai falecido, justamente para resolver com eles as pendengas trabalhistas. Não vemos os trabalhadores reunidos, apenas o rosto de Pilar que repete uma fala, decorada, sobre como ela sente não poder dar continuidade ao trabalho deles e que ela pagaria tudo o que lhes fosse de direito. Nenhum trabalhador parece se importar muito com a situação, já que todos dizem sentir muito a perda do pai de Pilar e que a menina poderia contar com eles para o que fosse necessário. Pilar, ao ouvir a declaração de um desses homens, chora discretamente, e continua a repetir a sua fala treinada para os outros. Estas duas cenas foram filmadas com a câmera bem próxima dos rostos das atrizes e elas são os dois momentos do filme nos quais o que passou e o que não volta mais vem à tona, os dois motivos de perda e desnorteamento são exibidos, são expurgados. A partir destes dois momentos, só resta olharem para um futuro que parece não acenar para elas e o passado vai ficando cada vez mais turvo, estranho, um desconhecido. Elas não se reconciliam com esse passado próximo, justamente por estar muito perto delas.

Só resta agora o presente, o momento, o instantâneo para elas. E isto não se resolve no filme através de uma busca inconseqüente de momentos de prazer, mas elas simplesmente andam pelas florestas, sentam no chão e brincam com gravetos, tomam cerveja, pulam dos rochedos em direção ao mar. É impossível o espectador não conseguir entrar naquilo, naqueles tempos mortos, naquele ultrarealidade do tempo alongado, impondo a experiência dele, tão-somente dele. Delfina Castagnino fez um dos filmes mais sinceros que já vi, apesar do tema ser tão batido. Um sopro de vida. Imagens que vão pulsar na minha cabeça por um bom tempo.


sexta-feira, 30 de julho de 2010

petit bonheur #3

Entra logo no carro que eu prometi pra ela estar lá no máximo às sete.

Peraí, deixa eu pegar meus óculos.

Então anda.

Me dá a chave então, como você quer que eu pegue meus óculos se a porta está trancada?

Toma. Corre.

(...)

Merda, vou ter que parar naquele posto. Tô ficando zerada.

(...)

Vou trocar esse CD hein. Tá foda ouvir sempre essa mulher, com essa voz insuportável.

Tá, faz o que você quiser. Aliás, vou parar mais pra cá que to azul de fome também.

Traz um café pra mim.

(...)

Você deixou de trazer o café pra demorarmos mais tempo aqui nessa porra ou só pra me irritar mesmo? Aliás, a primeira opção fatalmente leva à segunda. Fatalmente.

(...)

Você não vai mesmo falar nada? (...) Vem cá porra, eu não sou homem que gosta de ser tratado feito uma criancinha de colo por mulher nenhuma, você tá me ouvindo? Qual é? Você acha que...

Desce do carro.

Ah, peraí Ísis, vai se foder, para de babaquice.

Eu vou parar o carro ali na frente e você vai descer calmamente, vai gritar as merdas que você quiser, mas vai ser do lado de fora desse caro, você entendeu bem? Não quero ter de repetir isso.
É aquela tua amiga né? Eu sabia, o Lucas já tentou abrir meu olho uma porrada de vezes e eu pagando de babaca pra vocês duas. Vem cá, o que aquela vagabunda tá fazendo com você hein?

Fala, fala porra!

Carlos, eu acho melhor você me soltar.

Não solto enquanto você não falar, outra vagabundazinha, quem diria hein Ísis? Se prestando a...

Carlos, eu já falei, me solta.

Para de gritar sua fulaninha de merda. Diz logo, hein, fala!

(...)

Mas que...

(...)

Para com isso cara, para...

(...)

O Carlos tá sim lá em cima, ele tá meio mal ainda, mas já tá conseguindo falar.

(...)

A porta tá aberta, pode entrar, Ísis.

Oi.

Oi.

Como é que você tá?

Eu tô.

Sério, Carlos, como estão as coisas? Você tá conseguindo se virar bem?

Você não consegue um segundo que seja na sua agenda apertada pra apenas começar a fazer o
grande esforço de mudar?

Olha só, se ficar...

Desculpa, desculpa, não vai não. Eu sou um babaca mesmo, to sempre reclamando. Ainda mais agora... Mas eu to bem, quer dizer, já to falando pelos cotovelos, como você pode ver.

Isso é bom.

É sim.

Tá tudo bem na agência?

Carlos, não precisa. Fica tranqüilo.

Escuta, eu sinto muito tua falta. Você não faz idéia. Essa cama tem seu cheiro ainda, parece que
você ainda dorme aqui todo dia.

(...)

Eu vou ligar pro Carlos então, espera um minuto.

Peraí, quem é Carlos?

Eu já falei um milhão de vezes o nome dele aqui, Rafa. Não vem com essa agora.

Claro, claro. Não sei o que me deu agora, por um segundo eu tinha esquecido o nome dele.

Desculpa.

(...)

Abaixa um pouco o som da tevê, não to conseguindo te escutar.

A Joana deve ser meio surda, só pode ser, me dá um segundo.

(...)

Bonito, esse Rafael.

É, ele é bem bonito mesmo.

Ele tem quantos anos mesmo?

Carlos, não tem mais razão pra você começar com isso de novo. Passou, cara, passou. Eu estou te recebendo na minha casa, o que mais você quer que eu faça?

Você não vai esquecer nunca daquela merda?

Que merda? Eu já me esqueci dessa tal “merda”. Passou, mesmo.

Eu te conheço Ísis, te conheço muito bem. Se você tomar um gole de vinho, você se descontrola. Eu não sei que diabo eu to fazendo aqui, ainda por cima, expondo a Joana à isso. Eu sei que você vai acabar gritando.

Gritar o quê? Que você tentou me matar naquela porra daquele carro? Se controla você, cara! Eu não quero foder com tua vida, mais do que você tentou foder com a minha.

Tá, chega.

Chega mesmo.

Você sabe que...

Me solta Carlos.

...eu preciso muito de você. As coisas tão sem graça, eu não vou pra cama com ela há duas semanas, não consigo.

Carlos, pára com isso, senão eu chamo o Rafa.

Fica comigo, Ísis, já passou tanto tempo e você sabe que eu mudei.

Carlos...

Porra, fica comigo.

(...)

Rafael, aqui é a Joana, ex-namorada do Carlos. Eu sei que não é hora de tocar nesse assunto, mas se você quiser me encontrar, liga pra minha casa. Eu acho que sei onde você pode encontrar ele e eu não vou ferrar com tudo que eu planejei pra mim mesma carregando isso. Vou ficar aqui o dia todo. Tchau.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

petit bonheur #2

Oi, quanto tempo, nem tinha te visto por aí, sentadinha.

...Triste né? Olha só.

Nem me fala. Nem acreditei quando a Soninha me falou, ontem.

Daqui a pouco é... Melhor deixar pra lá. Como é que tá sua mãe? Eu falei com ela semana passada, por telefone, ela me pareceu tão triste. Ainda tá com aquele problemão todo lá na justiça?

Ela tá bem sim, mas meu irmão tá cuidando de tudo bem, acho que até final do mês que vem, é, se não me engano foi esse o prazo que meu irmão deu, a gente já tem uma resposta do juiz.


Vamos ver no que isso tudo vai dar.

Fala pra ela que vai dar tudo certo, que ela não precisa se preocupar, que Deus se ocupa de tudo, sabe, quando a gente menos espera, ele vem com uma solução pronta, daquelas que a gente menos espera. Sempre foi assim, ele sempre ajudou tanto ela, não vai ser dessa vez que ele vai falhar.

É.

E a Rita tá voltando de vez, semana que vem.

Sério?

Sim, sim. Não tem mais razão pra ela ficar em Vassouras, ela tá muito nova pra ficar socada naquele lugar. Ano passado fui lá, você precisava ver. Eu, que já sou uma mulher velha e não me choco nem me empolgo mais com muita coisa, fiquei muito entediada. Entediada mesmo, sabe? Tinha vezes que nem o rádio pegava direito. Tenho paciência pra isso não. Ainda mais eu, que gosto de ver gente passando pra lá e pra cá, você veja só. Não consegui ficar mui...

Mas ela vai morar na casa de quem?

Ela quem?

A Rita.

A, a Rita, claro. Olha, boa pergunta. Não sei mesmo te dizer. Quem me falou que ela tava voltando foi aquele menino, como é mesmo o nome dele? O...

Você diz aquele menino que fez um filho nela?

É. Esqueci o nome do rap...

Mateus. Não me esqueço nunca.

Mateus! Isso mesmo! Mateus. Então, foi ele que me falou. Acho que ele não deve saber mais coisas não, duvido muito que a Rita queira olhar pra cara dele depois de tanta confusão. Só se ela for dessas mulheres fracas que andam por aí. Mas a Rita, tenho certeza que ela não quer mais saber do Mateus.

É, espero.

Ela nunca mais falou com você?

Nunca mais.

Nunca ligou, nem mandou recado?

Nunca.

Esses anos todos? Puxa, e como é que você tá com isso tudo, meu filho? Quer dizer, eu disse como quem não queria nada sobre a volta dela. Não sabia que ela tinha te esquecido assim tão fácil. Olha, bola pra frente viu, vocês jovens sabem tocar pra frente melhor do que a gente, que não tem mais frente pra olhar. Você, ela, o Mateus, são todos muito novinhos. Você sabe que tem tanta garota bonita por aí querendo ficar com você. Você fez aniversário mês passado não foi? Quantos anos você fez mesmo?

Trinta e um, tia.

Então! Os anos demoram a passar pra vocês, vocês vivem mais do que a gente. E eu digo agora a mesma coisa que eu disse pra sua mãe: Deus sempre tem uma coisa guardada que a gente nem desconfia, nem sonha em ver, mas que aparece logo logo. Confia nisso.

É.

Meu santo Deus, olha quem vem ali! Parece até piada né? Não é que a danada já estava voltando?

Ela tá tão mudada...

É, meu filho, ela não mudou nadinha de nada, você é que se desacostumou a vê-la.

Pode ser...

Deixa a poeira toda baixar, a Glória nem esfriou no caixão ainda. Espera uma semana e vai falar com ela. Deixa com sua tia que eu descubro onde ela está enfiada. Só não vai fazer besteira de novo, pelo amor do nosso senhor Jesus Cristo.

Pode deixar tia, vou lá fora comprar uma coca. Você quer uma também?

Tá tudo bem comigo, fique tranquilo. Nós não sentimos tanta sede como vocês sentem.




(outra foto da série "Antropologia da Face Gloriosa", de Arthur Omar)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Comei, este é o meu corpo

Dia 2 de agosto, próxima segunda, às 21h, o Cinemaison exibirá o premiado filme "Comei, este é o meu corpo", do diretor haitiano Michelange Quay, com a presença do mesmo. Para entrar, é só apresentar a carteirinha de sócio. Para quem não a possui, é só ir no site www.cinefrance.com.br e solicitá-la.
Imperdível!!
Lembrando que às 18h, haverá a exibição de "Os amantes constantes", também de graça!

Serviço:
O Cinemaison, cineclube do Consulado Francês, fica na Avenida Presidente Antônio Carlos, 58, centro do Rio.
3974-6644


segunda-feira, 26 de julho de 2010

petit bonheur #1

Ela vem ou não vem, Beto? Eu to suando frio aqui, você sabe como eu sou inseguro pra essas coisas.

Não te disse mais de dez vezes que ela ligou essa tarde dando certeza de que viria? Depois não ligou mais, sei lá, mulher tem dessas coisas.


E eu nem tive tempo de tomar um banho decente e trocar de roupa, cara, eu to fedendo a cigarro demais, eu que me acostumei com o cheiro faz tempo não estou me agüentando mais.


Relaxa, cara, ela também fuma, aliás, eu nunca vi uma pessoa fumar tanto. É um atrás do outro, só de ver me dá vontade de parar com essa porra.


Tenta ligar pra ela de novo, vai que ela desistiu, vai que morreu no caminho.


Vai que ela é tão insegura quanto você e tá sentada em alguma mesa ali atrás só nos observando, esperando chegar o momento certo de chegar até aqui. Já digo que se ela estiver mesmo fazendo isso, você tá fodido, mulher não gosta de cara babaca assim, você tá parecendo uma criança fazendo birra, se segura porra.


Garçom, traz outra cerveja.


E vê se traz gelada dessa vez. Cara, olha aquela gata ali sentada no banco mais alto.


Qual delas?


A de blusinha verde. Putz, que mulherão! E toda doce, olha só como ela abre a boca, cumpade, que isso!


Tira o olho que aquela mina sentada na frente é a namorada dela.


Que mané namorada porra! Eu já vi essa garota uma vez, na festa que o Cláudio deu no apartamento dele. Ela chegou lá pras três horas da manhã com um cara muito do esquisito, falou com o Cláudio, ficou no máximo quinze minutos e meteu o pé. Lembra não? Nunca mais esqueci esse rostinho.


É, então acho bom você ir esquecendo de vez, olha lá.


Caralho cara, que merda hein. Essas garotas não devem saber o que é um pau, só pode ser.


É ela?


An?


É ela, porra, ali, entrando?


Porra Beto, é ela sim. Vou apresentar vocês dois e vou no posto da frente comprar cigarro, valeu? Vê se te controla nas calças!


Faz isso e se manda.


Olá meninos, tudo bem?


Fala Gabriela, demorou hein.


Desculpa meninos, eu peguei um trânsito horrível agora, rolou um acidente, não entendi muito bem, não consegui ver, me disseram, ah, um horror, total.


Gabriela, esse é o Beto, acho que eu já falei dele pra você, né?


Humm, acho que sim. Prazer Beto, Gabriela.


Prazer gata, o Arnaldo fala muito de você.


Garçom, traz outra cerveja pra gente aqui e capricha de novo. Galera, eu vou ali rapidinho no posto comprar cigarro e já venho.


Dois Marlboro vermelho, por favor.


Desculpa, Marlboro acabou de acabar.


Ha, ótimo, “acabou de acabar”.


Haha, é.


Me vê dois, an, Camel então.


Você não tem menor não? Eu to sem troco aqui.


Putz, espera um pouco.


Oi, tudo bem?


Tu-tu-d-do. Quer dizer, oi.


Você quer vir numa festinha que a Samanta vai dar hoje, mais tarde?


An, é, claro. Ou melhor, quem é Samanta?


Ela tá ali fora.


Ah, claro. Mas, desculpa, vocês são namoradas né. Não, quer dizer, nada contra, nada a ver, mas pensei que...


Vocês são muito tapados mesmo! Haha. Vêm ou não vem?


Sim, sim, é, claro!


Ótimo então. Oi, com licença, você tem um pedacinho de papel e caneta? Obrigada.


A gente te espera lá então, vai ser bem legal. Se o seu amigo quiser ir também com aquela menina que ele está conversando no bar, serão super bem vindos.


Ok, claro. Desculpa, você tem falado com o Cláudio? Ele deu uma boa sumida.


Tem tempo já que eu não tenho notícias dele. Se você o vir primeiro, fala que mandei um beijo.


Claro, pode deixar, aliás, quantos “claros” eu falei hoje.


Haha, relaxa.


Até mais tarde então.


Um beijo.


Senhor, seu troco.





(foto de Arthur Omar, da série Antropologia da face gloriosa)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

amputações #2


A senhora Grubach nunca mais pôde recuperar-se do achincalhe sofrido na rua da Aparição, local onde morava há mais de duas décadas seu marido não suportaria tamanha afronta deus às vezes sabe o que faz levando os iníquos para perto dele mais cedo do que esperamos a senhora Grubach não podia imaginar que sua agulha de costura a colocaria em um mundo estranho de devaneios nunca experimentados noites longas no balançar gostoso da cadeira do cômodo de trás e gritinhos fundos mudos na véspera dos nasceres do sol. O procurador de seu marido não desistia de ir lá constantemente a casinha do interior talvez dessa à velha senhora um gosto a mais em estar viva e ela nunca fora dada a assinaturas e tempos altos lendo papéis na luz do abajur da sala e enquanto o procurador esperava a senhora Grubach achar a agulha no chão antigo de linóleo marromescuro, sua corpulência danada trouxe realívios bons dourados ziguezagueantes. Foram dias de modorra boa vermelha a tarde reconfortante do exílio de meses com as mãos de mulher ossuda transmutando-se nas pistas naturais da entrega da carne aos sobressaltos do amor tardio.
(still de "Hanami - Cerejeiras em flor", de Doris Dörrie)

sábado, 17 de julho de 2010

amputações #1


Betinho, depois de dois anos juntando dinheiro, consegue comprar a sua moto setecentas cilindradas na concessionária do pai da Carla. São oito meses de vento na cara e uns cem xingamentos grosseiros dos motoristas e a moto rodopia duas vezes no ar e encontra o chão, impacientemente. Betinho para de beijar o chão mais de cem metros à frente, sem perceber que o golpe contra o solo leva uma de suas pernas. Adormece profundamente na dor que se espalha por todo seu corpo, como as vozes de um coral encontram rapidamente o ar pesado de uma igreja. A ambulância chega ao local depois de quarenta minutos, a Avenida Brasil completamente engarrafada, já passa das seis horas da tarde. Betinho não acorda e talvez não consiga estar bem para pegar um cinema com a Carlinha.

(still de "Sete homens invisíveis", de Sharunas Bartas)

sábado, 10 de julho de 2010

chegando
os meus olhos arrefecem
dançarino só no meio da pista para caminhões de carga

há duas semanas atrás três mulheres vestidas de saia vermelha idênticas me procuraram nas ruas da cidade torta para me perguntar qual era o segredo que eu teimava em não contar a ninguém

ontem elas voltaram bateram à minha porta e fizeram o sacrilégio de apenas me fitarem de forma rápida

todo dia às 3 horas da tarde elas dançam suas valsas e eu as observo como quem passa por ali sem rumo

à noite, elas cantam no meu ouvido, bem baixinho:
alors, peut-être je viendrai chez toi chauffer mon coeur à ton bois

e sinto mais calor

quinta-feira, 8 de julho de 2010

I´m not there

“A escrita desaparece primeiro, através de um método de alturas, tamanhos. A letra vai ficando cada vez menor. Se não fores capaz de parar de escrever, pelo menos que os teus textos ocupem menos espaço no mundo. Eis a microescrita. Quem escreve muitas letras numa minúscula folha, escreve muito ou pouco? Esta é uma questão, apesar de tudo, significativa. Trata-se de produzir uma escrita liliputiana.”
Vontade de sumir eu acho que todo mundo já teve, tem, ou terá. E este sumir pode ser sinônimo de ir para outros lugares, não ser reconhecido, recomeçar uma vida nova no mesmo lugar ou simplesmente dar um fim à própria vida. Eu já tive, tenho e terei vontade de tomar as quatro atitudes enumeradas, às vezes até ao mesmo tempo. Mas, nas minhas tentativas frustradas de desaparecimento, descobri como esta tarefa é difícil, praticamente impossível.
Confesso que eu acho péssima a sensação de fazer falta para alguém. Talvez, horrível mesmo seja fazer falta para apenas uma pessoa. Uma vez por semana eu me lanço na empreitada. Vou desligando tudo que me liga ao mundo exterior (lê-se o lado de fora da minha casa) até ficar totalmente incomunicável. Vou desligando as luzes de casa aos poucos, até deixar tudo no breu mais acolhedor que possa existir. Os aparelhos de televisão (infelizmente são inúmeros aqui em casa) não podem ficar nem no standby, senão eles produzem um som de freqüência altíssima, que só pode ser percebido quando no mais profundo silêncio, e esse ruidozinho me tira completamente do sério. Mas, quando eu menos espero, estou correndo para o computador, quebrando abruptamente o pacto de silêncio que havia feito comigo mesmo e me dano a gritar aos ventos, na esperança de algum sinal de vida fora desse buraco.
O escritor Enrique Vila-Matas quis sumir. Coitado, passou 410 páginas tentando e não é que o moço conseguiu? O problema é que não estar em lugar nenhum traz para a vida fantasmas que é bem melhor não enxergarmos nunca. Vila-Matas ficou tão sozinho, mas tão sozinho, que virou o Doutor Ingravallo e não tirava da cabeça uma única meta, muito insólita, por sinal: ir até o manicômio de Herisau e visitar o túmulo do escritor alemão Robert Walser, talvez até morrer como ele, caído na neve no dia 25 de dezembro de um ano qualquer. Se a solidão me levasse a projetos tão, digamos, grandiosos, não haveria voz que tivesse força suficiente para me tirar da letargia.
Se bem que as coisas conspiram para o meu afastamento total. Assisti, um dia desses, a um filme muito pouco conhecido no Brasil, chamado Na cidade branca (Dans La ville blanche, 1983), no qual o excelente Bruno Ganz (o ator que interpretou Hitler, no também excelente A queda – as últimas horas de Hitler) faz o papel de um marinheiro que resolve abandonar o navio quando este aporta em Portugal. O sujeito se instala em um hotel barato e simplesmente não faz nada (ou simplesmente começa a viver). Ele se envolve com a atendente do bar do hotel e de vez em quando manda cartas para sua mulher, na Suiça, dizendo que a solidão em Portugal é branca. Na verdade, eu acho que ele quer também dar uma desaparecida.
O próprio Vila-Matas/Ingravallo/Pasavento nos dá uma pista sobre a origem desse desejo súbito e fulminante, que nos ataca eventualmente: “suspeito que paradoxalmente toda essa paixão por desaparecer, todas essas tentativas, digamos, suicidas são por sua vez desejos de afirmação do meu eu.” Depois dessa resposta um tanto infantil, os três se perdem na labiríntica Rue Vaneau. Sem a minha companhia.
Ainda bem.
PS: Não sei se é o microruído da TV desligada ou a confusão de sons da própria TV o que me tira mais do sério.

Kazuo Ohno

Apenas uma singela homenagem a este grande artista!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Coração apertado




É extremamente empolgante encontrar na sua frente um exemplar de literatura que faça você lembrar que uma das principais finalidades do texto (ficcional, no caso, já falo logo!) é trazer o desconcerto, instalar o mal-estar, aquele silêncio inquietante, que acompanha por dias ou talvez (tomara) a vida toda. E foram todas essas sensações que a leitura de Coração apertado, da escritora francesa Marie NDiaye me trouxe.

Vamos lá:

A professora de meia-idade Nadia começa a ser tratada com hostilidade pelos seus alunos, pelos diretores da escola, pelos vizinhos, pelas pessoas na rua, sem um motivo claro que justifiquem as agressões. Seu marido, Ange, aparece em casa doente, com uma ferida também aparentemente sem explicação. O vizinho do casal, o senhor Noget, se dispõe a ajudar Nadia, apesar dele saber que ela o despreza. Enquanto Nadia tenta encontrar uma razão para o monstro que se instaurou em sua vida, o senhor Noget alimenta o casal com comidas gordurosas, em fartura.

Nadia se perde pelas ruas de Bordeaux, cidade que ama e vive já há muito tempo. Sua relação com o filho, Ralph, mostra-se cada vez mais conturbada, ao passo que ela demonstra bastante afeto pelo ex-namorado do filho, o delegado Lanton. O nome da filhinha de Ralph, Souhar, a irrita profundamente. A ferida de Ange só piora. Seu ex-marido reaparece com ofensas crescentes sobre a personalidade de Nadia. O bonde não dá atenção aos seus sinais no ponto. Nadia sente muita fome e se humilha cada vez mais.

Essa breve sinopse faz a gente imaginar que o romance é construído com frases ágeis, de efeito, carregadas de certo pavor e nonsense. Nada disso. O aperto no coração que sentimos vem de frases longas, de movimentação sutil, delicada. O texto de NDiaye é tenso e silencioso, os gritos nos chegam homeopaticamente. Quando nos damos conta, o absurdo já está instalado na nossa relação com o romance, mas, diferente dos personagens kafkianos, que parecem aceitar sem muitas perguntas as situações esdrúxulas nais quais eles se encontram, é inevitável nos perguntarmos que mundo é aquele em que Nadia vive, o que desandou, se somos nós que lemos a narrativa pelos olhos de quem sofre de uma... síndrome do pânico.

A escritora Beatriz Bracher, que escreveu o texto de orelha do romance, nos recomenda esperar dois dias para entendermos melhor o livro e nos garante que seremos pessoas mais felizes duas semanas após termos terminado a leitura e termos sofrido o pão que NDiaye amassou. A única coisa que posso dizer é que este texto aqui está sendo escrito umas três ou quatro horas após eu ter finalizado minha leitura e adianto, para aqueles leitores mais sensíveis, que minha cabeça não para de girar. Hoje mesmo estive conversando sobre Coração apertado com um amigo e eu disse para ele que eu estava com muita raiva pois uma entre duas coisas iriam acontecer: ou a Marie NDiaye não daria um motivo para tudo que estava acontecendo à Nadia (o que seria plenamente compreensível, uma vez que estamos falando aqui de literatura)* ou ela daria sim um motivo e talvez a leitura não fosse tão satisfatória. Obviamente não darei o resultado da loteria, I hate spoilers, mas o desconforto causado é tão grande que qualquer caminho tomado pela escritora seria insuficiente para apaziguar meus ânimos.

Eu usei o termo "kafkiano" em algum ponto deste texto, mas o absurdo da escrita de Marie NDiaye é de um outro tom. Seu universo fantástico/realista é nosso, contemporâneo, nos chega rápido. Mais uma vez uso este espaço para mostrar a minha indignação com alguns críticos, do mundo todo, que teimam em reduzir o texto literário a uma dimensão política, social, denunciativa de algo. Marie hoje mora em Berlim, em um auto-exílio, não tendo mais aguentado ver o rumo que a França está tomando com a política de extrema-direita do Sarkozy, que, segundo ela, faz com que alunos saiam algemados das escolas por serem imigrantes ilegais e que a obsessão dele por estabelecer, no século 21, o que seria a identidade francesa, não faz sentido algum. Por isto, há quem veja em seus romances, particularmente neste, um retrato da sociedade francesa, xenófoba, violenta e nem um pouco democrática. OK. Mas que a literatura, acima de qualquer questão que esteja na pauta do dia, tem como papel fundamental sacudir as bases de nossas (felizmente) poucas verdades, isso se faz evidente neste romance. Espero, pelo menos, me sentir realmente mais feliz depois de duas semanas. Aliás, se isso acontecer antes, melhor.


* plenamente compreensível é diferente de plenamente aceitável


PS.: Não estou muito habituado às novas regras de ortografia ainda, deixo claro!

segunda-feira, 29 de março de 2010

Eric Rohmer




Mais um serviço de utilidade pública!!!!!!!!
Mostra imperdível do grande cineasta Eric Rohmer, infelizmente falecido este ano. Oportunidade ÚNICA de conferir quase toda a obra dele em película, comos Pauline na praia, Amor à tarde, Conto de inverno e O Signo do leão.
Não deixem mesmo de conferir!

Programação:

30/03 Terça
14h30 – O signo do leão (1959) (35mm) 102’.14 anos
16h30 – A Padeira do Bairro (1962) (35mm) 23’+ A Carreira de Suzanne(1963)(35mm) 54’.16 anos.
18h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos.

31/03 Quarta
14h30 – A Colecionadora (1967) (35mm) 89’. 14 anos.
16h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.
18h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.

01/04 Quinta
14h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
16h30 – A Marquesa d´O (1976) (35mm) 100’. 14 anos.
18h30 – A mulher do Aviador (1980) (35mm) 106’. 14 anos.

02/04 Sexta
14h30 – Um Casamento Perfeito (1982) (35mm) 100’. 14 anos.
16h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
18h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.

03/04 Sábado
14h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
16h30 – O Amigo da Minha Amiga (1987) (35mm) 103’. 12 anos.
18h30 – As 4 aventuras de Reinette e Mirabelle (1987) (35mm) 99’. 14 anos.

04/04 Domingo
14h30 – Conto da Primavera (1990) (35mm) 112’. 12 anos.
16h30 – Conto de inverno (1991) (35mm) 114’. 14 anos.

06/04 Terça
14h30 – A Fábrica do Conto de Verão. Doc. (Direção: Jean-André Fieschi, 2005) (DVD) 90’ + Charlotte e seu bife (1951) (DVD)12’ + Nadja em Paris (1964) (DVD) 13’. 14 anos.
16h30 – Conto de verão (1996) (35mm) 113’. 12 anos.
18h30 – Conto de Outono (1998) (35mm) 112’. 12 anos.

07/04 Quarta
14h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.
16h30 – A Árvore, o Prefeito e a Mediateca (1993) (35mm) 105’. 14 anos.
18h30 – A inglesa e o Duque (2001) (35mm) 125’. 14 anos.

08/04 Quinta
14h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.
16h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
18h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.

09/04 Sexta
14h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos
16h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.
18h30 – Os Amores de Astrée e de Céladon (2007) (DVD) 109’. 16 anos.

10/04 Sábado
14h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
16h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
18h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.

11/04 Domingo
14h30 – A Marquesa d´O (1976) (35mm)
100’. 14 anos.
16h30 – A inglesa e o Duque(2001)(35mm) 125’. 14 anos




quinta-feira, 25 de março de 2010

domingo, 21 de março de 2010

lá #2

O encontro de Marguerit Duras com Robert L., depois de terem sido mortos pela vida (vermelhinho) (aquele de lá de baixo) (...tristeza, morte, dor e pranto, não haverá, pois, eu garanto. As coisas todas renovar eu vou, palavras fiéis vos dou...)(as flores amarelas guardam em si todo o mistério que só seus olhos são capazes de decifrar)(...não eu não posso lembrar que te amei não eu preciso esquecer que sofri faça de conta que o tempo passou e que tudo entre nós terminou e que a vida não continuou pra nós dois caminhemos talvez nos vejamos depois...)(a guerra destrói todo e qualquer motivo para tentarmos viver, só resta dor, sofrimento. A cabeça de um soldado pára de funcionar)(O campo de Drancy era um complexo de vários andares, construído para 700 pessoas, mas que no seu auge contou com mais de 7.000 prisioneiros. As condições eram brutais. As crianças eram separadas dos pais. Muitos intelectuais e artistas franceses estiveram presos em Drancy, incluindo Max Jacob, o filósofo Tristan Bernard e o coreógrafo René Blum.)(todos os cavalos desta rua são nobres, pertencem à realeza. Não deixam-se cavalgar por pés ambiciosos)(Israel é ficção, Palestina documentário)(ici et ailleurs)(eu me sinto tão bem ao seu lado, parece que o tempo deixa de cumprir a sua função, você me entende, você me entende? Nos sentimos mais leves, como penas, folhas de papel, como fios de cabelo, como chips ainda não usados)("O mar estava azul, ali, aos nossos olhos, sem ondas, apenas um marulho extremamente suave, murmúrio de respiração em sono profundo. Os outros pararam de jogar e sentaram nas toalhas, sobre a areia. Ele se levantou e caminhou para o mar. Vim para perto da praia. Olhei para ele. Ele notou. Piscou os olhos por detrás dos óculos, sorrindo para mim, sacudindo a cabeça em pequenos movimentos, como se estivesse zombando. Eu sabia que ele sabia, sabia que em todas as horas, em todos os dias, eu não parava de pensar: Ele não morreu no campo de concentração.")(...)

sábado, 20 de março de 2010

Luiz Braga











Enrique Vila Matas


Acaba de sair no mercado brazuca mais um romance do escritor catalão Enrique Vila-Matas. Publicado pela primorosa editora Cosac Naify, Doutor Pasavento é um dos seus melhores romances. Temos novamente a tentação irresistível de desaparecer, deixar de existir, dar um sumiço, ficar na ponta do abismo e não olhar para baixo, mas para o horizonte.

Estes temas parecem ser o leitmotiv de Vila-Matas, que tanto em relatos ficcionais (A viagem vertical, Suicídios exemplares) como em semi-ensaísticos (O mal de Montano, Bartleby e companhia), fala-nos de homens e principalmente escritores que precisam se deslocar, queimar seus escritos, dar fim a atividade literária. Fino, elegante e cínico acima de tudo, o romancista alerta-nos sobre o fim da literatura e talvez de nós mesmos.
Visite o site do escritor: http://www.enriquevilamatas.com/

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Nobuhiro Suwa

Exibição de 4 longas metragens inéditos no Rio do diretor japonês Nobuhiro Suwa.
Imperdível!!

Confira aprogramação no site http://www.caixacultural.com.br/
de 2 a 7 de março

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Joana, após aqueles dias em que o mundo parece ter virado de pernas para o ar, não conseguia entender o porquê de Carlos ter anunciado sua decisão de forma tão precipitada: Joana, não te amo mais. Para a sua cabeça, o desamor não podia ser pensado, matutado como quem decide se vai ou não comprar um carro novo ou simplesmente se vai ou não tomar outra xícara de café. Ter sido pega assim, de surpresa, era o que mais a injuriava. Não dava para voltar para a casa da mãe, sua tia havia morrido cinco dias antes e Carlos era o que de mais acalentador ela julgava possuir, uma barreira contra as investidas constantes da solidão, quem em certos momentos de uma vida insiste em sentar-se bem na nossa frente. Viajar, viajar é o que Joana deve fazer. Tornar o sonho de sair sem rumo por aí realidade. O único empecilho real é que os telejornais anunciaram que hoje é dia de chuva forte...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Era uma vez um mundo que se fez verbo, palavra, gritinhos exasperados, uivos produzindo ecos pela noite afora e encontra na direção do abismo a face da morte. Nãovida, aperto de mãos múltiplas no pescoço que teima em manter pulmões diversos na batalha, na guerra, no centro dos conflitos. Mundo abridor de feridas que racham lentamente, fazendo vir à tona terremotos subcutâneos de dimensões nunca antes vistas na História e nas historietas da nossa melíflua raça humana, atriz das mais doces conquistas, todas no além-mundo.

Do gemido primevo ao gemido último, corpos se debatem e teimam em não escolher a morte. Cuidam para que cada polegada orgânica de nosso sopro se mantenha ativo, em constante movimento, produzindo outros mundos habitáveis que correm a mil quilômetros por hora em direção ao final.

A morte me adora, me fez de altar na sua casa. Cada cômodo desse lugar é ocupado por um ser vivo em estado putrefato. Cada verme que ali chega morre junto com ele. Não há cheiro, não há pesar, luto, véus negros, veias abertas... Um grupo de tanatólogos permanece sentado em um banco, igualmente podre, com cadernos de estampa floral, na antessala de nossos caminhos. Prescrevem medicamentos feitos de ervas raríssimas, bons para qualquer tipo de doença que um moribundo possa apresentar.

Tais pílulas milagrosas, encontradas agora em qualquer esquina na mão dos mais hábeis vendedores, transformam-se em livros já canonizados e imortalizados, reflexos contrários do anunciado óbito da literatura. A franca literatura da morte tem suas palavras como anjos caídos, desterrados e prontos para me fazer mal, as plataformas do t não se sustentam em seu tronco, as bóias infláveis do p estão sempre murchas, a duras penas chega-se ao gran finale, apoteótico, carnavalesco, valha-me Deus quase sempre catastrófico. Suas moscas clássicas não perturbam mais, pelo contrário, abrimos nossas bocas e todos os mais recônditos poros para que elas entrem, se instalem, dêem à luz mais moscas, que por sua vez fazem nascer outros bichos, gafanhotos, escorpiões, cobras peçonhentas.


***

O enterro de mais outro deus foi feito no dia vinte e sete de outubro de dois mil e sete, exatamente às quatro horas da tarde, no cemitério do Caju. Só sua mãe, dopada, e seu irmão mais velho puderam comparecer. Ela não conseguia chorar muito, coitada, de certa forma já esperava. Apenas mantinha os sentidos abertos para o grande sino que badalava sem misericórdia na entrada no cemitério, produzindo um som pesado, de freqüência média. Velas serviriam para deixar a tarde mais quente do que já é. Na lápide de deus havia o seguinte epitáfio, com pretensões pueris de eufemismo: “Aqui jaz um homem que soube viver intensamente.”

Orem por mim, não se esqueçam de que em algum momento eu os fiz viver de forma incendiada, cantem Summertime quando meu caixão estiver descendo. Deixem escrito para quem quiser ler que talvez, por segundos pífios ou tempos mais vivos, eu tive fôlego.

Início da temporada 2010 de teatro

Imperdíveis:

A inquietude (Do mesmo autor do polêmico “Esfíncter”)
Texto: Valère NovarinaDireção: Thierry TrémourouxElenco: Ana Kfouri
Teatro Poeira, Na São João Batista, no comecinho dela
Até 10 de fevereiro
Terças e quartas 21h R$30,00 com meia (assinante do Globo tem um descontinho)

http://www.novarina.com/novarina/index.php

Corte Seco (a crítica está ótima e o público tem gostado muito)
Texto e direção: Christiane JatahyElenco: Cristina Amadeo, Daniela Fortes, Eduardo Moscovis, Thereza Piffer, Felipe Abib, Ricardo Santos, Stella Rabello, Branca Messina, Leonardo Netto
Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá
Até 31 de janeiro
Sextas e sábados 21h e domingos às 20h
R$30,00 também.

http://www.corteseco.com


“Simplesmente eu, Clarice Lispector” voltou para o Rio de Janeiro. Está agora no SESC Ginástico

Sopros de vida
Texto: David HareDireção: Naum Alves de SouzaElenco: Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho
CCBB, Rua Primeiro de Março, Centro do Rio
De quarta a domingo, 19h
R$10,00 (É necessário comprar com antecedência ou fazer reserva. Correntistas do Banco do Brasil tem desconto de 50%)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Cuide de você no Rio!!!


Cuide de você (Prenez soin de vous)
Sophie Calle
MAM RIO
até dia 21 de fevereiro
eu já falei desta exposição aqui no blog : http://nossamaisena.blogspot.com/2009/09/prenez-soin-de-vous.html



Herbert Henck




Mais um achado musical, dividido entre os leitores deste humilde blog:

Herbert Henck,
Pianista e escritor alemão (1948), com a carreira infelizmente interrompida em 2005 devido uma doença séria. Ouvi um álbum dele com obras do Hans Otte e fiquei impressionado em como ele consegue dar emoção a peças tão minimalistas.
Conheci-o pois ele é muito usado nas trilhas dos filmes mais recentes do Godard.

Bem fica a dica!!

Site oficial (apenas em alemão): http://www.herbert-henck.de/


Inferno Provisório

Há uns dois anos atrás eu me deparei numa livraria qualquer com um livro chamado "Mamma, son tanto felice" e o que estava escrito na contracapa me fez levar o livro para casa: "Um mergulho num poço de águas profundas ... pode trazer à tona o barro decantado no fundo." Mal sabia eu que acabava de travar meu primeiro contato com o grandioso universo literário do escritor mineiro Luiz Ruffato, autor do romance aclamado pela crítica "Eles eram tantos cavalos."
Pesquisando um pouco mais na época, vi que ele tinha um projeto grandioso na cabeça, cujo título é "Inferno Provisório", título retirado de um poema de Murilo Mendes. Trata-se de uma pentalogia, ainda não finalizada, na qual Ruffato pretende falar da história brasileira dos últimos 50 anos a partir do ponto de vista da classe proletária interiorana. São histórias profundamente marcadas por violência e muita "vida sendo vivida". Seus personagens passam por essas vidas medíocres ou em certo ponto decidem dar um basta e partem para os grandes centros urbanos em busca de trabalho ou de um diferencial qualquer.
O primeiro livro deste projeto é justamente o que eu citei no início do texto. Ele é composto por uma dezena de contos que de certa forma podem ser costurados. Trata-se de um livro retalhado, em que cada pedaço constitui uma parte de um painel bem mais amplo. Esta desestruturação da ideia que temos a princípio do que seria um romance, aliado às experimentações tipográficas da escrita de Ruffato, deixam nós leitores sem um lugar de conforto, a linguagem não nos consola. Os textos são cheios de vozes díspares, fluxos de consciência que em um primeiro momento parecem nos indicar algo relevante sobre as vidas que acompanhamos "passivamente", mas o que nos resta no final é apenas solidão. A deles e a nossa, que teima em ficar face a face conosco. Os deslocamentos por vezes constantes de tais personagens não os deixam encontrar a si mesmos, apenas constroem mais e mais biombos que os separam de si e do mundo que os rodeia.
Luiz Ruffato é um escritor com o qual pretendo trabalhar mais a fundo em algum momento. Encontro-me agora envolto pelo universo de "O mundo inimigo", segundo livro da série.

A lusta dos livros publicados até então:
1.Mamma, son tanto felice (2005)
2. O mundo inimigo (2005)
3. Vista parcial da noite (2006)
4. O livro das impossibilidades (2008)