sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Lo que mas quiero - Festival do Rio 2010


Em O que mais quero (Lo que mas quiero, Delfina Castagnino, Argentina, 2009), uma jovem passa uma temporada na casa de uma amiga com a qual ela só mantinha um relacionamento à distância, no interior da Argentina. Esta última acabou de perder o pai e sofre silenciosamente com a saudade e a solidão. A primeira está passando por dificuldades no relacionamento com o noivo e precisava de um tempo para pôr a cabeça no lugar. Este é o mote simples e sincero do filme, mas o que o tornou uma obraprima particular tem a ver com a sua estrutura e também duas cenas capitais.

Na primeira cena, as duas meninas estão de costas para a câmera, contemplando um grande lago, e conversam sobre trivialidades e também sobre qual seria a duração ideal para um relacionamento. Após Maria, a jovem de fora, dizer que seu namoro tem quatro anos, Pilar, a jovem que perdeu o pai, diz que esse tempo todo é impensável, isso seria uma eternidade para a cabeça dela. Em outro momento, Maria está encostada num carro conversando com um rapaz que conheceu numa festa e, mais uma vez, os dois conversam sobre coisas sem muita importância, ou, na verdade, importantíssimas para aquele momento, já que os dois estão se conhecendo e talvez vão começar um namoro. Vale aqui dizer, que essas duas cenas bem longas e pontuadas por silêncios longos também, ao mesmo tempo que recheadas com aquele feel good tão característico dos filmes do Apichatpong, transportando-nos sem grandes dificuldades para o espaço do filme, mesmo que o espectador não se identifique diretamente com o que está acontecendo na tela.

Porém, as cenas mais importantes do filme são duas cenas que se transformam em um eixo de significado para o filme. Em um momento, Maria liga para seu namorado em Buenos Aires. Ela está andando por uma mata escura e de repente para de caminhar. Não sabemos o que ele está dizendo para ela, mas em muitos momentos ela hesita em responder e, no final, esboça um choro que não acontece. Mais a frente, Pilar está reunida com os trabalhadores da madeireira do seu pai falecido, justamente para resolver com eles as pendengas trabalhistas. Não vemos os trabalhadores reunidos, apenas o rosto de Pilar que repete uma fala, decorada, sobre como ela sente não poder dar continuidade ao trabalho deles e que ela pagaria tudo o que lhes fosse de direito. Nenhum trabalhador parece se importar muito com a situação, já que todos dizem sentir muito a perda do pai de Pilar e que a menina poderia contar com eles para o que fosse necessário. Pilar, ao ouvir a declaração de um desses homens, chora discretamente, e continua a repetir a sua fala treinada para os outros. Estas duas cenas foram filmadas com a câmera bem próxima dos rostos das atrizes e elas são os dois momentos do filme nos quais o que passou e o que não volta mais vem à tona, os dois motivos de perda e desnorteamento são exibidos, são expurgados. A partir destes dois momentos, só resta olharem para um futuro que parece não acenar para elas e o passado vai ficando cada vez mais turvo, estranho, um desconhecido. Elas não se reconciliam com esse passado próximo, justamente por estar muito perto delas.

Só resta agora o presente, o momento, o instantâneo para elas. E isto não se resolve no filme através de uma busca inconseqüente de momentos de prazer, mas elas simplesmente andam pelas florestas, sentam no chão e brincam com gravetos, tomam cerveja, pulam dos rochedos em direção ao mar. É impossível o espectador não conseguir entrar naquilo, naqueles tempos mortos, naquele ultrarealidade do tempo alongado, impondo a experiência dele, tão-somente dele. Delfina Castagnino fez um dos filmes mais sinceros que já vi, apesar do tema ser tão batido. Um sopro de vida. Imagens que vão pulsar na minha cabeça por um bom tempo.


Um comentário:

  1. Gostei daqui.Obrigada pelas informações.
    FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... deseja uma boa semana para você.
    Saudações Espetacular.

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