quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Era uma vez um mundo que se fez verbo, palavra, gritinhos exasperados, uivos produzindo ecos pela noite afora e encontra na direção do abismo a face da morte. Nãovida, aperto de mãos múltiplas no pescoço que teima em manter pulmões diversos na batalha, na guerra, no centro dos conflitos. Mundo abridor de feridas que racham lentamente, fazendo vir à tona terremotos subcutâneos de dimensões nunca antes vistas na História e nas historietas da nossa melíflua raça humana, atriz das mais doces conquistas, todas no além-mundo.

Do gemido primevo ao gemido último, corpos se debatem e teimam em não escolher a morte. Cuidam para que cada polegada orgânica de nosso sopro se mantenha ativo, em constante movimento, produzindo outros mundos habitáveis que correm a mil quilômetros por hora em direção ao final.

A morte me adora, me fez de altar na sua casa. Cada cômodo desse lugar é ocupado por um ser vivo em estado putrefato. Cada verme que ali chega morre junto com ele. Não há cheiro, não há pesar, luto, véus negros, veias abertas... Um grupo de tanatólogos permanece sentado em um banco, igualmente podre, com cadernos de estampa floral, na antessala de nossos caminhos. Prescrevem medicamentos feitos de ervas raríssimas, bons para qualquer tipo de doença que um moribundo possa apresentar.

Tais pílulas milagrosas, encontradas agora em qualquer esquina na mão dos mais hábeis vendedores, transformam-se em livros já canonizados e imortalizados, reflexos contrários do anunciado óbito da literatura. A franca literatura da morte tem suas palavras como anjos caídos, desterrados e prontos para me fazer mal, as plataformas do t não se sustentam em seu tronco, as bóias infláveis do p estão sempre murchas, a duras penas chega-se ao gran finale, apoteótico, carnavalesco, valha-me Deus quase sempre catastrófico. Suas moscas clássicas não perturbam mais, pelo contrário, abrimos nossas bocas e todos os mais recônditos poros para que elas entrem, se instalem, dêem à luz mais moscas, que por sua vez fazem nascer outros bichos, gafanhotos, escorpiões, cobras peçonhentas.


***

O enterro de mais outro deus foi feito no dia vinte e sete de outubro de dois mil e sete, exatamente às quatro horas da tarde, no cemitério do Caju. Só sua mãe, dopada, e seu irmão mais velho puderam comparecer. Ela não conseguia chorar muito, coitada, de certa forma já esperava. Apenas mantinha os sentidos abertos para o grande sino que badalava sem misericórdia na entrada no cemitério, produzindo um som pesado, de freqüência média. Velas serviriam para deixar a tarde mais quente do que já é. Na lápide de deus havia o seguinte epitáfio, com pretensões pueris de eufemismo: “Aqui jaz um homem que soube viver intensamente.”

Orem por mim, não se esqueçam de que em algum momento eu os fiz viver de forma incendiada, cantem Summertime quando meu caixão estiver descendo. Deixem escrito para quem quiser ler que talvez, por segundos pífios ou tempos mais vivos, eu tive fôlego.

Início da temporada 2010 de teatro

Imperdíveis:

A inquietude (Do mesmo autor do polêmico “Esfíncter”)
Texto: Valère NovarinaDireção: Thierry TrémourouxElenco: Ana Kfouri
Teatro Poeira, Na São João Batista, no comecinho dela
Até 10 de fevereiro
Terças e quartas 21h R$30,00 com meia (assinante do Globo tem um descontinho)

http://www.novarina.com/novarina/index.php

Corte Seco (a crítica está ótima e o público tem gostado muito)
Texto e direção: Christiane JatahyElenco: Cristina Amadeo, Daniela Fortes, Eduardo Moscovis, Thereza Piffer, Felipe Abib, Ricardo Santos, Stella Rabello, Branca Messina, Leonardo Netto
Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá
Até 31 de janeiro
Sextas e sábados 21h e domingos às 20h
R$30,00 também.

http://www.corteseco.com


“Simplesmente eu, Clarice Lispector” voltou para o Rio de Janeiro. Está agora no SESC Ginástico

Sopros de vida
Texto: David HareDireção: Naum Alves de SouzaElenco: Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho
CCBB, Rua Primeiro de Março, Centro do Rio
De quarta a domingo, 19h
R$10,00 (É necessário comprar com antecedência ou fazer reserva. Correntistas do Banco do Brasil tem desconto de 50%)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Cuide de você no Rio!!!


Cuide de você (Prenez soin de vous)
Sophie Calle
MAM RIO
até dia 21 de fevereiro
eu já falei desta exposição aqui no blog : http://nossamaisena.blogspot.com/2009/09/prenez-soin-de-vous.html



Herbert Henck




Mais um achado musical, dividido entre os leitores deste humilde blog:

Herbert Henck,
Pianista e escritor alemão (1948), com a carreira infelizmente interrompida em 2005 devido uma doença séria. Ouvi um álbum dele com obras do Hans Otte e fiquei impressionado em como ele consegue dar emoção a peças tão minimalistas.
Conheci-o pois ele é muito usado nas trilhas dos filmes mais recentes do Godard.

Bem fica a dica!!

Site oficial (apenas em alemão): http://www.herbert-henck.de/


Inferno Provisório

Há uns dois anos atrás eu me deparei numa livraria qualquer com um livro chamado "Mamma, son tanto felice" e o que estava escrito na contracapa me fez levar o livro para casa: "Um mergulho num poço de águas profundas ... pode trazer à tona o barro decantado no fundo." Mal sabia eu que acabava de travar meu primeiro contato com o grandioso universo literário do escritor mineiro Luiz Ruffato, autor do romance aclamado pela crítica "Eles eram tantos cavalos."
Pesquisando um pouco mais na época, vi que ele tinha um projeto grandioso na cabeça, cujo título é "Inferno Provisório", título retirado de um poema de Murilo Mendes. Trata-se de uma pentalogia, ainda não finalizada, na qual Ruffato pretende falar da história brasileira dos últimos 50 anos a partir do ponto de vista da classe proletária interiorana. São histórias profundamente marcadas por violência e muita "vida sendo vivida". Seus personagens passam por essas vidas medíocres ou em certo ponto decidem dar um basta e partem para os grandes centros urbanos em busca de trabalho ou de um diferencial qualquer.
O primeiro livro deste projeto é justamente o que eu citei no início do texto. Ele é composto por uma dezena de contos que de certa forma podem ser costurados. Trata-se de um livro retalhado, em que cada pedaço constitui uma parte de um painel bem mais amplo. Esta desestruturação da ideia que temos a princípio do que seria um romance, aliado às experimentações tipográficas da escrita de Ruffato, deixam nós leitores sem um lugar de conforto, a linguagem não nos consola. Os textos são cheios de vozes díspares, fluxos de consciência que em um primeiro momento parecem nos indicar algo relevante sobre as vidas que acompanhamos "passivamente", mas o que nos resta no final é apenas solidão. A deles e a nossa, que teima em ficar face a face conosco. Os deslocamentos por vezes constantes de tais personagens não os deixam encontrar a si mesmos, apenas constroem mais e mais biombos que os separam de si e do mundo que os rodeia.
Luiz Ruffato é um escritor com o qual pretendo trabalhar mais a fundo em algum momento. Encontro-me agora envolto pelo universo de "O mundo inimigo", segundo livro da série.

A lusta dos livros publicados até então:
1.Mamma, son tanto felice (2005)
2. O mundo inimigo (2005)
3. Vista parcial da noite (2006)
4. O livro das impossibilidades (2008)