quinta-feira, 8 de julho de 2010

I´m not there

“A escrita desaparece primeiro, através de um método de alturas, tamanhos. A letra vai ficando cada vez menor. Se não fores capaz de parar de escrever, pelo menos que os teus textos ocupem menos espaço no mundo. Eis a microescrita. Quem escreve muitas letras numa minúscula folha, escreve muito ou pouco? Esta é uma questão, apesar de tudo, significativa. Trata-se de produzir uma escrita liliputiana.”
Vontade de sumir eu acho que todo mundo já teve, tem, ou terá. E este sumir pode ser sinônimo de ir para outros lugares, não ser reconhecido, recomeçar uma vida nova no mesmo lugar ou simplesmente dar um fim à própria vida. Eu já tive, tenho e terei vontade de tomar as quatro atitudes enumeradas, às vezes até ao mesmo tempo. Mas, nas minhas tentativas frustradas de desaparecimento, descobri como esta tarefa é difícil, praticamente impossível.
Confesso que eu acho péssima a sensação de fazer falta para alguém. Talvez, horrível mesmo seja fazer falta para apenas uma pessoa. Uma vez por semana eu me lanço na empreitada. Vou desligando tudo que me liga ao mundo exterior (lê-se o lado de fora da minha casa) até ficar totalmente incomunicável. Vou desligando as luzes de casa aos poucos, até deixar tudo no breu mais acolhedor que possa existir. Os aparelhos de televisão (infelizmente são inúmeros aqui em casa) não podem ficar nem no standby, senão eles produzem um som de freqüência altíssima, que só pode ser percebido quando no mais profundo silêncio, e esse ruidozinho me tira completamente do sério. Mas, quando eu menos espero, estou correndo para o computador, quebrando abruptamente o pacto de silêncio que havia feito comigo mesmo e me dano a gritar aos ventos, na esperança de algum sinal de vida fora desse buraco.
O escritor Enrique Vila-Matas quis sumir. Coitado, passou 410 páginas tentando e não é que o moço conseguiu? O problema é que não estar em lugar nenhum traz para a vida fantasmas que é bem melhor não enxergarmos nunca. Vila-Matas ficou tão sozinho, mas tão sozinho, que virou o Doutor Ingravallo e não tirava da cabeça uma única meta, muito insólita, por sinal: ir até o manicômio de Herisau e visitar o túmulo do escritor alemão Robert Walser, talvez até morrer como ele, caído na neve no dia 25 de dezembro de um ano qualquer. Se a solidão me levasse a projetos tão, digamos, grandiosos, não haveria voz que tivesse força suficiente para me tirar da letargia.
Se bem que as coisas conspiram para o meu afastamento total. Assisti, um dia desses, a um filme muito pouco conhecido no Brasil, chamado Na cidade branca (Dans La ville blanche, 1983), no qual o excelente Bruno Ganz (o ator que interpretou Hitler, no também excelente A queda – as últimas horas de Hitler) faz o papel de um marinheiro que resolve abandonar o navio quando este aporta em Portugal. O sujeito se instala em um hotel barato e simplesmente não faz nada (ou simplesmente começa a viver). Ele se envolve com a atendente do bar do hotel e de vez em quando manda cartas para sua mulher, na Suiça, dizendo que a solidão em Portugal é branca. Na verdade, eu acho que ele quer também dar uma desaparecida.
O próprio Vila-Matas/Ingravallo/Pasavento nos dá uma pista sobre a origem desse desejo súbito e fulminante, que nos ataca eventualmente: “suspeito que paradoxalmente toda essa paixão por desaparecer, todas essas tentativas, digamos, suicidas são por sua vez desejos de afirmação do meu eu.” Depois dessa resposta um tanto infantil, os três se perdem na labiríntica Rue Vaneau. Sem a minha companhia.
Ainda bem.
PS: Não sei se é o microruído da TV desligada ou a confusão de sons da própria TV o que me tira mais do sério.

Nenhum comentário:

Postar um comentário