sexta-feira, 26 de junho de 2009

pausa para o lanche da tarde

as pernas do pai, afundado no sofá de dois lugares da sala, só poderiam ser duas hastes negras de metal forte, robustos, gélidos. os pêlos eriçados com a notícia dada pelo noticiário da tevê (pensando bem os pelinhos já estavam em pé desde muito antes) pareciam cerdas de aço, de escova para limar objetos duros, gelados também. os músculos do joelho, que na sua cabeça não deveriam ser muitos, apesar dele ter ficado surpreso quando a cristina disse a quantidade de fibras e qualquer outra coisa feita de carne que a gente mobiliza quando sorrimos, se encontravam retesados ao máximo, como se o pai fosse se levantar de supetão, sem a mãe nem ele esperarem, para derrubar a tevê e maldizer com todos os nomes feios que se encontram em todas as línguas do mundo aquela revelação tão inesperada. ouvia até o barulho da explosão do tubo de raios catódicos e já antecipava o susto e o grito fino que precisaria deixar escapar da sua boca miudinha, que já estava aberta há longos minutos. a mãe aparecia para ele fora de foco, longe, mesmo sentada em outro sofá de dois lugares, desta vez marrom, transversal ao sofá do pai. sofá caro. não sei quantos judeus mortos nos campos de concentração, algo em torno de cem milhões, ou seriam cem bilhões. só podia mesmo ser muita gente, gente que não tinha como pensar, gente que ultrapassava toda a quantidade de pessoas que podiam caber num shopping numa véspera de natal, dia de louco, de gente esquisita e que fica mais esquisita ainda nessa época do ano, coisa fora de compreensão. eram nomes complicados que a moça de tailleur vermelho repetia na tevê. em alguma língua bem diferente daquele inglês que o professor enrugado ensinava no colégio, aquele inglês que por mais que ele não soubesse entender, lhe dava a certeza de que não era inglês nem jamais seria, nem nos estados unidos, nem nos filmes em que se falava inglês. foi só quando seu pai caiu, quase de cara na mesa de centro, meu deus!, quase que ele bate com a cabeça direto na mesa de centro, logo ali, a bem poucos centímetros dele, ia ser uma tragédia, mas ele não ia conseguir segurar a vontade de gargalhar bem alto ao ver aquela cena estapafúrdia do pai, um galalau de quatro metros, desmoronando como um edifício bem em cima da mesa de centro velha da sala. a mãe se levantou, tropeçando também e só sentia o cheiro de batata frita bem gordurosa, pouco úmida que servia de aviso para a hora de jantar.

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