sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ética

No escritório não havia mais ninguém. À essas horas da noite é difícil encontrar uma viv'alma sequer em todo este edifício. Sei que o centro da cidade fica mais escuro do que já é e não é mesmo seguro ficar por aqui, sendo obrigado a caminhar por essas ruelas sombrias, de chão sempre molhado, até o estacionamento onde todos daqui costumam guardar seus carros. Mas resolvi ficar. Estava cheio de verificações finais a fazer e a segunda-feira não poderia começar com um esporro do Antônio. Só a sombra dele ou então o menor barulho de seus passos já era suficiente para me paralisar. O mais engraçado é que o sujeito sempre foi muito gentil com todos, para não dizer servil, resultado de um espírito costumeiramente antenado com as mais novas prescrições sobre ética no trabalho e em como fazer com que seu modo de tratar bem as pessoas as ajude a serem mais produtivas.
Mas a Clara não me deixava trabalhar em paz. Minha concentração era perdida a cada segundo que eu colocava os olhos sobre aquele retrato ao lado do porta-lápis e nenhuma força vigente no universo me faria esticar as mãos para abaixá-lo ou guardá-lo na gaveta de "material pessoal". Ela nunca mais ia voltar, esta era a única certeza que possuía, não havendo nem filho, nem carreira, nem família, nem doença que a fizesse pensar duas vezes e reparar o erro que havia cometido.

O relógio marcava dez horas e vinte e três minutos. Num rompante de um impulso qualquer, guardei todos os papéis na gaveta de "procedimentos arquivados", peguei meu casaco que tinha deixado na cadeira do Lobo (não me lembro agora porque fiz isto) e saí da sala. Tranquei a porta, dando duas voltas na chave, e desci as escadas que me levavam ao hall do edifício número 14, prédio que trabalho há sete anos.

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