quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Café Lumière e para quê serve o cinema
Há uns dias atrás eu assisti (baixado mesmo, via torrent, fazer o que?) o instigante filme do diretor taiwanês Hou Hsiao-hsien, Café Luimère. Já havia assistido outros filmes dele em tela grande e na telinha, como Millenium Mabo, Três tempos e Flores de Xangai, todos experiências de cinema muito diferentes até então. Se em Millenium Mabo temos o casal problema percorrendo as boates de Taiwan, em Três tempos acompanhamos três histórias de amor que se passam em diferentes épocas e em Flores de Xangai entramos e saímos hipnotizados de bordéis chineses do final do século XIX, é difícil dizer qual o mote narrativo de Café Lumière. Hsiao-hsien é conhecido pelos seus planos-sequência enormes e sua busca em filmar o cotidiano com todos seus sons, gestos e luzes. Mas neste filme sobre o qual eu tento escrever ele leva sua estética ao máximo.
Sabemos apenas que a jovem do filme está grávida e quer ter o filho sozinha. Ela é escritora e pesquisa (em Tóquio?) sobre um compositor meio desconhecido. Um outro jovem, japonês, (o sempre fantástico Tadanobu Asano, que pode ser visto aualmente em O guerreiro Gengis Khan) gerencia um sebo e gosta de gravar os sons dos trens e dos transeuntes. E só. O resto é imersão, é atmosfera.
Em uma cena que me tirou o fôlego (sem precisar recorrer a tiroteios e sexo explícito) a jovem caminha falando com alguém pelo celular até a câmera continuar o seu percurso e ela sumir do plano e continuarmos ouvindo sua voz. Ela se perdeu na multidão? Sacanagem do diretor? Não. Percebemos então que ela está apenas esperando o sinal fechar, mas não a vemos mais pois uma pilastra se coloca bem na nossa frente. Em outra cena ela caminha com o japonês e para diante de uma loja. Os dois apontam para o alto e ela saca sua câmera e começa a fotografar o alto do prédio. Quando a câmera lentamente sobe e parece nos querer mostrar o que os deteve naquele ponto, vemos apenas janelas e a folhagem de uma árvore que provavelmente estava fazendo sombra para o câmera.
Hsiao-hsien nos mostra as luzes da manhã, faz seus personagens se perderam na multidão, acompanha com uma falsa passividade o passar dos trens nas inúmeras linhas que atravessam a cidade. É um cinema rigoroso, apesar de tudo, extremamente formal. O expectador precisa estabelecer uma relação cerebral com o filme apesar de tanta vida pulsar na frente dos seus olhos, sem muito discurso. Digo isto pois é necessário que se preste atenção a cada mudança de detalhes, a cada sombra, a cada gota de chuva. Há uma cena no filme que eu achei a melhor. Ela conversa com alguém que vai esperá-la numa estação de trem qualquer ou vai entrar no trem quando ela passar pela estação tal, pois ela diz que ficará sentada no primeiro vagão. Na cena seguinte ela está de pé no trem e ao chegar na estação ela titubeia, mas sai do vagão. Depois vemos do alto um rapaz parado, de pé, e os trens cruzando a cidade. É ele a tal pessoa que ela estava esperando? Ela siu do trem porque ele deu um bolo nela? Não, ela está apenas se sentindo mal e depois os dois caminham tranquilamente pela cidade...
Durante vários momentos eu tive a sensação de estar diante de uma série de quadros em slide show. Lembrei-me do cinema do Apichatpong Weerashetakul, da Chantal Akerman e do Carlos Reygadas, onde tudo está ali a favor do cinema, as luzes, os diálogos as respirações dos atores. Digo o cinema dos irmãos Lumière, que tinha como foco os operários que saíam das fábricas, o passo acelerado das pessoas na rua. Os jovens não são robotizados, mecânicos, como nos filmes do Tsai Ming-Liang, criando aquele ambiente pesado de solidão e falta de contato. Antes de mais nada, eles se emocionam com um livro infantil, tem pesadelos, comem com vontade e pedem o bife predileto para a mãe. Talvez o nome do filme venha daí, pois em nenhum momento há qualquer alusão a este tal café e talvez o cinema, o CINEMA, sirva para isto. Documentar o nada e transformá-lo em substância.
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